A França revolucionária teve diversos filhos. Escritores, poetas e pintores, se inspiraram nos ideais, e atrocidades, dos dias de lutas que permearam o fim do século XVIII e começo do XIX. Desses tempos, apenas dois pintores transformaram a revolução do sangue em uma revolução nas artes. De David a Delacroix, a arte francesa nunca mais foi a mesma.
© Jacques-Louis David, "A Morte de Sócrates", 1787.
Jacques-Louis David (1748-1825) e Ferdinand Victor Eugène Delacroix (1798-1863) são dois dos principais artistas que a França já legou ao mundo. Cinquenta anos separam os dois pintores, que marcaram o modo como lemos as revoluções pelas quais o país passou em um curto período de tempo. E principalmente, como seria a arte francesa a partir da obra deles.
O jovem David logo interessou-se por arte. Apesar da influência do estilo rococó, em voga na França, acabou estudando pintura classicista. Posteriormente, entrou para Academia de Roma – renomada escola de artes – onde debruçou-se nos estudos de anatomia das esculturas do período clássico, em Rafael Sanzio e na cor e da luz de Caravaggio.
© Jacques-Louis David, "As Sabinas", 1799.
Retorna a Paris, com status de gênio, e inicia suas primeiras obras-primas de estética neoclássica, estilo com base no Iluminismo e que cultua os padrões da antiguidade clássica grega, de alto teor moralizante. Mais do que mudanças estéticas, David estabeleceu um diálogo entre o real e o ideal. Simpatizante da Revolução, dos ideais republicanos e amigo de Robespierre, David, tornou-se o pintor dos novos tempos que se pretendia para a França.
© Jacques-Louis David, "Leônidas nas Termópilas", 1814.
Em Marat Assassinado em 1793, Davi criou a obra prima da Revolução Francesa (1789-1799). Sob o fundo escuro, em uma banheira coberta por tecidos jaz o corpo de Marat. Pendido para direita de sua mão direita, a pena que tantas vezes foi uma arma e na mão esquerda o bilhete que viera da assassina: “13 de julho de 1793 – Marie Anne Charlotte Corday ao cidadão Marat – é suficiente que eu seja bem infeliz por ter direito a sua simpatia”.
© Jacques-Luois David, "A Morte de Marat", 1793.
A composição trás uma série de presenças testemunhais e significativas na obra, mas sem a estrutura narrativa. David, não narra a história do assassinato. Marat já está morto. Toda a agonia da morte e a traição da jovem não são elementos explícitos. A faca caída e o bilhete são os elementos da existência da assassina. A ferida no corpo de Marat, por onde ainda escorre pequenas gotas de sangue e sua cabeça com os olhos fechados e a boca entreaberta pendida para direita assim como seu braço são os sinais da violência.
© Jacques-Louis David, "O juramento dos Horácios", 1784.
Uma cena de simples elementos, os detalhes são ínfimos. O fundo vazio escuro, inspiração tirada dos estudos no mestre italiano Caravaggio, assim como o jogo de claro e escuro. O corpo de Marat possui elementos escultóricos gregos no que se refere aos músculos e tendões tão bem delineados e perfeitos resultado de sua observação e seus estudos de arte da antiguidade. David constrói uma alegoria moral enxuta e rigorosa para os revolucionários.
© Jacques-Louis David, "Andrômeda lamentando Heitor", 1783.
Apesar de ser concebido como um retrato, a obra transcende a ideia de representação, e entra para os domínios da universalidade da arte. O radical Marat, sob o pincel de David, tornou-se um ícone quase religioso para os novos tempos da França.
© Jacques-Louis David, "Os litores trazendo a Brutus os corpos de seus filhos", 1789.
Delacroix também nasceu em uma família de posses e no seio da república francesa. Estudou artes nas melhores escolas, frequentou o Louvre, recém-transformado em museu pela Revolução Francesa e como David, foi amante das obras de Sanzio.
© Eugène Delacroix, "A tomada de Constantinopla pelos cruzados", 1840.
Suas primeiras obras giravam sobre temas históricos e um pouco exóticos, e com romântica. Entre suas influências estavam Rubens, Veronese, Turner e Géricault. Com eles, Delacroix, desenvolveu sua concepção expressividade através da cor. O que resultou em composições caóticas e cheias de dramaticidade, que não eram vista com bons olhos pela sociedade e ia contra a estética da Academia.
© Eugène Delacroix, "A barca de Dante", 1822.
Como David, Delacroix, viveu na França em período decisivo. A sua revolução foi de 1830, que colocava um fim na Restauração. Apesar de nunca ter se envolvido tão diretamente na politica francesa, sua obra prima proveem desses tempos: A Liberdade Guiando o Povo, de 1830.
© Eugène Delacroix, "Mulheres de Argel", 1834.
Delacroix não constrói um discurso moral em sua representação, não há criação de heróis ou mártires. É uma pintura de entusiasmo com o acontecimento. Ligado ao movimento colorista e o artista concebe a pintura uma visualidade dinâmica. Sua composição se pauta pelo uso das cores quentes e vivas, requintada, repleta de detalhes e elementos que possuem um caráter solto na pintura e intensificam o caos revolucionário.
© Eugène Delacroix, "A Liberdade Guiando o Povo", 1830.
Tudo possui uma medida exata e um lugar certo. Mesmo com o desprendimento dos traços a pintura de Delacroix é pensada. A figura central que segura a bandeira, A Liberdade, mesmo possuindo caráter alegórico é um misto de realismo e retórica. Vestida com as roupas do povo e conclamando-os para a luta. Diversos são os indivíduos que compõem a cena: vivo e mortos, plebeus e intelectuais, jovens e velhos. A composição de Delacroix unifica esses elementos turbulentos na tela. A obra é viva com toda a sua movimentação e elementos dispostos esquematicamente.
© Eugène Delacroix, "O Massacre de Quios", 1824.
Hoje, tanto Marat assassinado quanto a A Liberdade Guiando o Povo, fazem parte do repertório de todos: seja como inspiração estilística, documento histórico ou objetos de consumo. David e Delacroix deram eternidade as Revoluções de suas vidas.
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